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China: minha visão
Ainda no Brasil, ouvi do Fábio Neto - Startse - que a China não se enquadra em comunismo, capitalismo, socialismo ou ditadura; é algo único, um “chinaismo”. Já na China, o professor Rodrigo Zeidan - NYU - afirmou que o país é o mais capitalista do mundo. Entre as dezenas de definições sobre o que é a China hoje, essas duas foram as mais marcantes para mim. Não é à toa que há tanto debate. Durante meus oito dias de viagem pela China, entre Pequim e Xangai, observei um país complexo, dinâmico e organizado, que progride rapidamente sem se perder em discussões improdutivas.
Concluí que a China funciona como uma grande empresa privada, com metas de longo prazo e uma exigência rigorosa de eficiência e produtividade em todos os níveis. Seria como se o atual presidente Xi Jinping fosse o CEO, o Partido Comunista Chinês fosse o Conselho da empresa, e a sociedade trabalhasse em prol dos objetivos estratégicos de longo prazo definidos pelo “governo”.
Não há pichações, lixo ou desordem nas ruas; tudo parece estar em seu devido lugar. A limpeza, a organização e a eficiência superam as expectativas. É impressionante o progresso de uma sociedade que, há 50 anos, era miserável, marcada por mais de um século de guerra civil e disputas internas intermináveis.
A sociedade chinesa atual é extremamente capitalista; não perde tempo com debates infrutíferos e, com um poder centralizado, planeja a longo prazo. Claro que um poder centralizado como o do Partido Comunista Chinês pode ser perigoso; embora tenham Xi Jinping, um visionário, poderiam ter líderes como Fidel Castro, de Cuba, ou Kim Jong-il, da Coreia do Norte. O fato é que esse sistema chinês único, de capitalismo dirigido pelo Estado, tem gerado um ritmo de progresso anual sem precedentes nos últimos cinquenta anos.
Economia
A taxa média de crescimento nas últimas cinco décadas foi de aproximadamente 10% ao ano, o que permitiu que mais de 800 milhões de pessoas saíssem da pobreza — quase quatro vezes a população do Brasil — e passassem a integrar o mercado consumidor.
Agricultura e Urbanização
A China abriga 22% da população mundial — mais de 1,4 bilhão de pessoas — mas possui apenas 8% das terras aráveis do planeta. Além disso, a expansão urbana pressiona as áreas agrícolas, ocupando terras de cultivo. Nos primeiros dias no país, estranhei a ausência de casas nos centros urbanos, vendo apenas milhares de prédios. Não é à toa: com uma população tão grande precisando de moradia e terras agrícolas escassas, a solução é verticalizar.
São inúmeros prédios! No trem-bala de Pequim a Xangai, percorremos mais de 1.200 km por áreas agrícolas e, a cada dois ou três minutos, mesmo em áreas rurais, víamos um condomínio com 10 ou 20 torres, com pelo menos 18 a 20 andares. Cada um desses milhares de condomínios abriga a população de uma pequena cidade brasileira.
Segurança Alimentar e Soja
Com tanta gente para alimentar, terras escassas e um partido que monopoliza o poder — não tolerando protestos, a segurança alimentar é, obviamente, uma questão de Estado. As terras são destinadas principalmente à produção de arroz, trigo e milho. Quanto à soja, produzem apenas variedades não transgênicas, para consumo humano, principalmente destinadas a fabricação de tofu. Para a criação de frangos e suínos, importam mais de 100 milhões de toneladas anuais. É o principal mercado da soja brasileira, que respondeu por mais de 70% do volume importado em 2024. Estão muito preocupados com a rastreabilidade e a qualidade da soja vinda do Brasil, que piorou nos últimos anos.
O crescimento chinês tem sido o motor do avanço do agro brasileiro, no entanto, nossa grande dependência deste mercado apresenta riscos:
• O volume de importação de soja estabilizou ou cresceu pouco nos últimos cinco anos.
• A população chinesa diminuiu pela primeira vez no ano passado.
• A produção local de soja tem aumentado em produtividade por hectare, embora não em área.
• Há a alternativa da soja americana, atualmente taxada em 15% devido à guerra comercial EUA-China.
Tecnologia
Este tem sido sem dúvidas o grande novo motor do crescimento chinês. Dos sistemas de pagamento - eles possuem algo semelhante ao Pix, e funciona muito bem, a inteligência artificial. Estivemos em duas empresa, Alipay e Bailian Group, onde vimos aplicações práticas de IA já produzindo resultados impressionantes. A aplicação de ferramentas de Inteligência Artificial estão mudando a dinâmica e aumentando muito a eficiência das empresas chinesas. Diria que não entender de inteligência artificial em pouco tempo será equivalente a não saber ler algum tempo atrás. A IA está mudando o comércio, os serviços, as profissões, e sobretudo, a maneira como vivemos. Os chineses estão muito preparados para rivalizar de igual para igual com os EUA quem liderará esta revolução. Lamentável não vermos o Brasil preocupado em participar mais ativamente deste processo.
Sustentabilidade
Este talvez tenha sido o ponto que mais me surpreendeu. Não esperava ver tamanha preocupação com ações de sustentabilidade. Da economia circular à gamificação, vimos muitas ações no sentido de valorizar a preservação ambiental, reduzir a pegada de carbono e tornar a sociedade como um todo mais sustentável.
• Eletrificação: Em Pequim, das 100 mil licenças anuais para emplacamento de novos carros, 80% são para carros elétricos
Curiosidades
• Comemos muito bem, não senti uma diferença tão grande quanto imaginava. Comer grilos ou morcegos me pareceu muito mais um folclore do que o mundo real, talvez em regiões mais pobres haja escassez de alimentos, mas não nos grandes centros urbanos. Há ampla variedade e qualidade de comidas, sem falar que redes de fast-food como McDonalds, KFC ou Subway, estão em todos os lugares.
• Não sabia que os chineses não tomam água gelada. De modo geral, tomam água morna. Na academia do nosso hotel, a temperatura mínima da água era 25 graus, a máxima, 80. Vai entender… rsrs…
• Sempre ouvia falar que a China era um grande big brother, com câmeras de reconhecimento facial espalhadas por todos os lugares. É fato! São muitas câmeras, milhares, nunca havia visto nada parecido. Por vezes, são duas mirando numa mesma direção.
Passei a admirar mais a China. No Brasil, temos um preconceito, no sentido de que, como tudo que é falso ou barato vem de lá, logo, não valorizamos. Eu também pensava assim. Não que a pirataria seja algo a ser admirado, é errado, ponto. Mas, como sociedade, eles valorizam muito o relacionamento e a confiança. Uma sociedade com mais de 10 mil anos de história, com altos e baixos, mas que está mostrando ao mundo uma capacidade de se reinventar sem precedentes.
Valeu muito a visita, recomendo!